quarta-feira, 24 de abril de 2013

O ponto de viragem do futebol alemão e uma coincidência histórica


Em 1974, os timaços de Bayern de Munique e Borussia Mönchengladbach formavam a base da seleção alemã que foi campeã do mundo depois de 20 anos de fila. Sem conquistar um Mundial desde 1990, a Alemanha chegará ao Brasil em 2014 com uma base fortíssima, formada por outros dois timaços: Bayern de Munique e Borussia Dortmund.



Depois da conquista da UEFA Euro 1996, a seleção alemã passou por um período de decadência. Racionais como são, os alemães não se iludiram com a ida à final da Copa do Mundo FIFA 2002, perdida para o Brasil. Depois da Copa do Mundo de 2006, o futebol alemão se viu diante de um ponto de viragem. Ou mudava estruturalmente e essencialmente seu modelo de treinamentos na formação de atletas ou estaria fadado ao insucesso nas competições internacionais com a seleção alemã. Foi então que a Federação contratou o técnico Joachim Löw e deu a ele um contrato de 10 anos para renovar o futebol, investindo na formação de jovens atletas. Em uma década, os clubes da Bundesliga gastaram cerca de R$ 1,8 bilhão (sim, isso mesmo, 1 bilhão e 800 milhões de reais!) em suas categorias de base.

Tendo disputado a Copa do Mundo FIFA 2010 sem a pressão do favoritismo e reconhecendo que não tinha a obrigação de sair da África do Sul como campeã, a Alemanha aproveitou a competição para dar experiência às jovens revelações, que vêm colecionando títulos europeus nas categorias sub-17, sub-19 e sub-21. Um terço da equipe titular alemã em 2010 tinha média de 23 anos de idade.

Atualmente, Bayern de Munique e Borussia Dortmund são a base da seleção alemã. Dos 23 jogadores que compõem o elenco principal, oito são do Bayern e seis do Dortmund, sendo quatro titulares de cada clube. No total, 18 atletas atuam no futebol alemão. Reflexo da força da Bundesliga e da renovação do futebol germânico.

As novas gerações de Bayern de Munique e Borussia Dortmund são a prova disso. Com seu estilo de futebol moderno e espetacular, bem diferente do rigor tático e vigor físico que eram as principais características alemãs. Nas semifinais da Liga dos Campeões, os dois timaços germânicos atropelaram a badalada dupla de ferro espanhola – Barcelona e Real Madrid. Os bávaros enfiaram 4x0 nos catalães. Enquanto os aurinegros fizeram 4x1 nos madrilenhos.

A expectativa, portanto, é de que a dupla Bayern de Munique e Borussia Dortmund possa repetir o feito de uma outra dupla bem sucedida na história da seleção nacional alemã: Bayern de Munique e Borussia Mönchengladbach.

1974

Forças absolutas da Bundesliga nos anos 1970, as gerações de ouro de Bayern de Munique e Borussia Mönchengladbach serviram de base para a seleção que saiu da fila de 20 anos e conquistou a Copa do Mundo FIFA 1974. Eram times formados por nomes históricos, como Sepp Maier, Paul Breitner, Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Uli Hoeness (Bayern) e Berti Vogts, Herbert Wimmer, Jupp Heynckes, Rainer Bonhof (M’gladbach). O meia Günther Netzer, que atuava no Real Madrid em 1974, fora formado no M’gladbach, onde atuou de 1963 a 1973.

Com a mesma base, o Bayern conquistou 4 campeonatos nacionais, 3 europeus e 1 mundial ao longo daquela década, enquanto o M’gladbach ficou com 5 alemães, 2 Copas da UEFA e 1 vice-europeu.

2014

Manuel Neuer, Philipp Lahm, Holger Badstuber, Jérôme Boateng, Bastian Schweinsteiger, Toni Kroos, Mario Gomez, Thomas Müller, Mario Götze, Roman Weidenfeller, Mats Hummels, Marcel Schmelzer, Ilkay Gündoğan e Marco Reus. São as principais estrelas de Bayern de Munique e Borussia Dortmund. Anotem esses nomes. Eles poderão levantar a Taça FIFA em pleno Maracanã no dia 13 de julho de 2014.

domingo, 14 de abril de 2013

Semifinais da Liga dos Campeões: dois países, dois modelos de gestão do futebol



Bayern de Munique x Barcelona e Borussia Dortmund x Real Madrid. Quis o sorteio da UEFA Champions League que espanhóis e alemães se enfrentassem nas semifinais do maior torneio interclubes do mundo, proporcionando a possibilidade de uma final totalmente alemã ou espanhola. Mais do simples confrontos entre clubes de dois países, as semifinais da Liga dos Campeões 2012/13 coloca frente a frente dois modelos bastante distintos na gestão do futebol. Desde as negociações dos direitos de transmissão televisiva – negociação coletiva Vs. negociação individual – ao controle financeiro dos clubes e das Ligas.

Bayern de Munique e Borussia Dortmund representam a Alemanha, país em que o futebol é controlado e racional, visando a garantir o máximo de competitividade possível. Do lado oposto, estão Barcelona e Real Madrid, representando a Espanha, sem organização hierárquica, com dois gigantes vorazes e egoístas, bipolarizando as disputas internas.

Certamente, uma final entre Barcelona x Real Madrid seria como a realização de um sonho para a UEFA e todos os seus patrocinadores, bem como para as redes de televisão que pagam a peso de ouro pelas transmissões da Champions League, além, claro da imensa maioria dos fãs de futebol. Afinal, Real Madrid e Barcelona são, respectivamente, os dois clubes de futebol que mais faturam em todo o mundo. Para não falar das constelações que compõem os elencos de ambos os times. Do ponto de vista meramente passional, da ideia do espetáculo pelo espetáculo, ver os dois gigantes espanhóis, cuja rivalidade vai muito além das quatro linhas, em uma final de Liga dos Campeões seria realmente fantástico e histórico.

Porém, analisando-se a representação simbólica de uma decisão entre dois clubes monopolizadores, de uma Liga injusta e desigual em sua essência, surge o questionamento: o que seria melhor para o futebol? Uma final espanhola significaria a vitória do negócio do futebol sem controle de gastos e das dívidas astronômicas em nome do pretenso espetáculo? Ou uma final alemã seria o símbolo de que é possível ser competitivo com os pés no chão, controlando os gastos, estando em uma Liga financeiramente equilibrada?

Negociações individuais Vs. Negociações coletivas

Na Espanha, La Liga possui modelo de negociações individuais, em que cada clube negocia a venda dos seus direitos televisivos diretamente com a rede de televisão. Este modelo tem gerado uma profunda desigualdade e acarretado em uma enorme perda de competitividade do Campeonato Espanhol.

Real Madrid e Barcelona, auferem 144 milhões de euros e 133 milhões de euros, respectivamente, pelos seus contratos com a empresa Mediapro. Estes dois clubes arrecadam 47% do total das receitas televisivas de La Liga. O terceiro no ranking é o Valência, que recebe 44 milhões de euros, ou seja, três vezes menos do que a dupla de ferro. Logo em seguida vem o Atlético de Madrid, com 42 milhões de euros. Clubes tradicionais como Athletic Bilbao e Sevilha recebem cerca de 20 milhões de euros, isto significa sete vezes menos que os dois principais clubes do país. Estes contratos têm validade até 2015.

Não por acaso, nos últimos 15 anos, apenas em três ocasiões os campeões não foram Barcelona ou Real Madrid. Isso aconteceu na temporada 1999/2000 com o Deportivo La Coruña e nas épocas 2001/02 e 2003/04 com o Valência.

Nos últimos nove campeonatos (contando que o Barcelona será campeão este ano), o título ficou entre Barcelona (seis vezes) e Real Madrid (três vezes). Nesse mesmo período, apenas em uma ocasião a dupla de ferro não ficou nas duas primeiras colocações. Em 2007/08, o Villareal foi o vice-campeão (Real Madrid campeão e o Barcelona ficou em 3º). Por sinal, o Villareal, último time a se intrometer na bipolarização, foi rebaixado para a segunda divisão espanhola na temporada passada, 2011/12.

Na Alemanha, a Bundesliga, composta por 36 clubes (18 da primeira divisão e 18 da segundona), negocia os direitos de transmissão coletivamente e divide 75% dos valores entre os clubes da elite e 25% é repartido entre os participantes da segunda divisão. O último contrato assinado em 2010 com a operadora Sky, rendeu 1,5 bilhão de euros por temporada para a Bundesliga. Ou seja, 1,125 bilhão de euros é dividido pelos clubes da primeira divisão, enquanto 375 milhões de euros é repassado para os participantes da segunda divisão alemã.

Nos últimos dez anos (contando a temporada 2012/13), a Bundesliga teve cinco campeões diferentes: Bayern de Munique (5x), Borussia Dortmund (2x), Wolfsburg, Sttuttgart e Werder Bremen. Nesse mesmo período, o Schalke 04 foi vice-campeão em três ocasiões, o Werder Bremen em duas e o Leverkusen uma vez.

Não por acaso, enquanto os direitos de transmissão televisiva representam 39% do faturamento do Real Madrid e 37% do Barcelona, não passam de 32% e 22% do faturamento de Borussia Dortmund e Bayern de Munique, respectivamente.

Dívidas astronômicas Vs. Fair-play financeiro

O futebol europeu, de modo geral, reflete a crise que assola o Velho Continente. Vários clubes, das principais ligas, têm dívidas astronômicas. Com exceção de um país. A Alemanha. Refletindo a economia da nação mais estável da Zona Euro, o futebol alemão é o exemplo inequívoco de um esporte financeiramente saudável. Enquanto na Inglaterra, os clubes somam uma dívida de cerca de 4 bilhões de Euros. Na Espanha, são quase 4,2 bilhões de Euros. Por outro lado, na Alemanha, dos 36 clubes da Bundesliga, 33 têm lucros.

De acordo com os estudos da Deloitte Football Money League, nos últimos quatro anos, Real Madrid e Barcelona foram os dois clubes que mais faturaram no futebol mundial. Os Merengues lideram a lista há praticamente uma década. Na temporada 2011/12, o clube da capital espanhola bateu um recorde histórico: foi o primeiro a faturar acima dos 500 milhões de Euros. Totalizando 512,6 milhões de Euros. Seguindo os passos do grande rival, o Barcelona auferiu 483 milhões de Euros em 2011/12.

Mas se madrilenhos e catalães batem recordes de faturamento ano após ano, as dívidas de ambos também crescem de forma espantosa. O Real Madrid deve nada menos que 660 milhões de Euros (algo como R$ 1,5 bilhão). O Barcelona não fica muito atrás, com sua dívida de 549 milhões de Euros, o que acarreta em um patrimônio negativo de 59 milhões. Falando do descontrole financeiro do futebol espanhol, o Governo da Espanha declarou, há um anos, que seus clubes devem 752 milhões de impostos.

200 páginas. Esse é o tamanho do documento que regulamenta como o futebol deve ser administrado pelos clubes da Bundesliga. Implementadas há cerca de uma década, as regras impõem um rigoroso controle financeiro às entidades esportivas que queiram participar da primeira e segunda divisões do Campeonato Alemão. As normas, resumidamente, impedem que os clubes ajam como adolescentes descontrolados com o cartão de crédito roubado dos pais. Na Alemanha, só se pode gastar aquilo que se pode pagar. Seria elementar e óbvio, não fosse uma exceção em todo o mundo do futebol.

Os clubes alemães são obrigados a abrirem suas contas para os fiscais da Bundesliga e têm que provar liquidez financeira suficiente para terminarem a temporada com saldo positivo. Caso contrário, o clube é punido. As sanções vão desde a perda de pontos (como ocorreu, recentemente, com o Arminia) ao impedimento de participar da Bundesliga.

Além disso, na Alemanha não há clubes que pertençam a sheiks árabes, magnatas russos ou norte-americanos bilionários. Todos os clubes pertencem aos torcedores (sócios), que detêm 51% das ações. As exceções são os históricos Wolfsburg (Volkswagen) e Bayer Leverkusen (Bayer), mas que são parte integradas às suas respectivas cidades.

Não é por acaso, portanto, que o Bayern de Munique apresente lucros por 20 anos consecutivos. Os bávaros têm o quarto maior faturamento do mundo, com 368,4 milhões em 2011/12. Nesse mesmo período, o lucro líquido do maior clube alemão foi de espantosos 332,2 milhões (R$ 877 milhões). Isso em uma temporada que o Bayern passou totalmente em branco, sem conquistar qualquer título, sendo vice-campeão europeu, alemão e da Copa da Alemanha.

Mais modesto, se comparado ao gigante bávaro, o Borussia Dortmund também registrou um bom lucro líquido na temporada 2011/12. Com um faturamento recorde de 215,2 milhões de Euros, o Dortmund teve um lucro de 39,3 milhões (livre de impostos). A dívida reduziu de € 56,1 milhões para € 15,5 milhões, representando uma redução de € 40,6 milhões em um ano.

Recentemente, os aurinegros anunciaram lucro de 17, 5 milhões no primeiro semestre do ano fiscal 2012/13. O resultado é 22 vezes maior do que o apresentado no mesmo período da temporada passada. É de se imaginar que se bata novamente o recorde, uma vez que a chegada à semifinal da Liga dos Campeões representa um faturamento enorme.

Resumindo, enquanto Real Madrid e Barcelona têm prejuízos ano após ano e acumulam dívidas de € 660 milhões e € 549 milhões, o Bayern de Munique tem lucros sucessivos há 20 anos e o Borussia Dortmund tem batido seus recordes de lucros, reduzindo sua dívida a um patamar administrável de apenas € 15,5 milhões, vislumbrando uma redução ainda maior, já que a temporada 2012/13 já se apresenta como lucrativa.

Categorias de base – modelo a ser seguido

Apesar dos prejuízos e das dívidas, o Barcelona é um modelo no que diz respeito às categorias de base. Inspirada e influenciada pelos holandeses Rinus Michels (criador do “carrossel holandês”) e Johan Cruyff (gênio da “Laranja Mecânica” dos anos 1970), La Masia é referência na formação de jovens craques. A base da seleção espanhola, campeã do mundo e bicampeã europeia saiu de lá: Xavi, Iniesta, Puyol, Piqué e Fàbregas. Para não falar do melhor jogador mundo, o argentino Lionel Messi, que chegou ao clube catalão com 13 anos de idade. O Real Madrid, por seu turno, dentre os titulares apenas Iker Casillas foi formado em La Fabrica. Casillas, por sinal, tem ficado no banco, após desentendimentos com o técnico José Mourinho.

Depois da Copa do Mundo de 2006, o futebol alemão se viu diante de um ponto de viragem. Ou mudava seu modelo de treinamentos na formação de atletas ou estaria fadado ao insucesso nas competições internacionais com a seleção alemã. Foi então que a Federação contratou o técnico Joachim Löw e deu a ele um contrato de 10 anos para renovar o futebol, investindo na formação de jovens atletas.

Na Copa do Mundo de 2010, a Federação alemã não viu problemas em reconhecer que sua seleção não chegava à competição como favorita e não tinha a obrigação de sair campeã. O objetivo era outro: dar experiência às revelações. O time base alemão tinha um terço de jogadores com média de 23 anos de idade.

Atualmente, Bayern de Munique e Borussia Dortmund são a base da seleção alemã. Dos 23 jogadores, oito são do Bayern e cinco do Dortmund, sendo quatro titulares de cada clube. No total, 18 jogadores atuam no futebol alemão. Reflexo da força da Bundesliga e da renovação do futebol germânico.

Em recente entrevista ao canal ESPN Brasil, Paul Breitner, ídolo e “embaixador” do Bayern de Munique, afirma que o Barcelona serviu de inspiração para o clube bávaro e também para o futebol alemão. Lembrando, sempre, que esse trabalho deve se iniciar com jovens adolescentes, sendo projetado para gerar frutos a médio prazo. “Você tem que compreender que para mudar sua forma de jogar futebol, são precisos no mínimo seis ou oito anos de trabalho. Não adianta tentar mudar jogadores que tenham 17, 18, 19 anos de idade. Você precisa começar a trabalhar com eles aos 12, 13 anos de idade”, analisou.

Guiado pelo modelo catalão, o futebol alemão, com a racionalidade que é característica à sua cultura, conseguiu se transformar. As novas gerações de Bayern de Munique e Borussia Dortmund são a prova disso. Com seu estilo de futebol moderno e espetacular, bem diferente do rigor tático e vigor físico tradicionais alemães.

Conclusão

As semifinais da Liga dos Campeões não colocarão frente a frente apenas Bayern x Barcelona ou Dortmund x Real Madrid. Estará em disputa o modelo de se pensar e gerir o futebol em sua totalidade. De um lado, o modelo alemão de controle financeiro e primazia à competitividade através de divisão equânime dos recursos; do outro, o modelo espanhol de descontrole, prejuízos financeiros e desigualdade nas competições internas.

E aí, qual é o modelo que o futebol merece ter? O modelo da competitividade e do fair-play financeiro? Ou o modelo desigual e insano em sua essência?

Eu assumo minha posição: torcerei por uma final alemã. Pelo bem do futebol, que Bayern de Munique x Borussia Dortmund pisem o gramado de Wembley no dia 25 de maio e mostrem ao mundo que existe uma alternativa para além dos gastos exacerbados e da irresponsabilidade na gestão desportiva.

Nós contratamos jogadores com o nosso dinheiro”, Paul Breitner, ídolo e ‘embaixador’ do Bayern de Munique, no programa Bola da Vez (ESPN Brasil), explicando que seu clube não precisa de empréstimos em bancos ou de investidores para contratar reforços.




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