quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Pênalti é loteria? A economia mostra que não


Há um momento no futebol que deve ser unânime entre torcedores, repórteres esportivos, treinadores e jogadores como o mais tenso de todos: a cobrança de pênalti. Para muitos, o pênalti é uma verdadeira loteria. Para outros, uma grande injustiça. Mas se tem uma situação no jogo de futebol, dentro das quatro linhas, em que a economia melhor poder ajudar a explicar, ela é a cobrança de pênalti. E mais: os pênaltis podem ajudar a compreendermos a teoria dos jogos. Entenda como PSV, Holanda e Alemanha já se deram bem recorrendo a essa estratégia, e como Anelka deu um prejuízo de US$ 170 milhões ao Chelsea por não seguir as orientações recebidas.

A teoria dos jogos é utilizada para analisar como as estratégias de diferentes agentes interagem em determinada situação. Os norte-americanos usaram esta teoria de forma exaustiva durante a Guerra Fria. O governo dos EUA recorria com freqüência à teoria dos jogos para planejar suas interações com a União Soviética e tentar antecipar os passos dos soviéticos. Talvez a crise dos mísseis em Cuba seja um dos casos mais emblemáticos do uso da teoria dos jogos por parte do governo norte-americano.

Mas o que é, de forma simplificada, a teoria dos jogos? E como a cobrança de pênalti ajudar a compreender essa teoria? É que a teoria dos jogos estuda situações de interação exatamente como a de um cobrador de pênalti frente a frente com um goleiro: o que eu devo fazer depende do que você faz, e o que você deve fazer depende do que eu faço. Resumindo: para onde o batedor deve chutar a bola e para onde o goleiro deve pular? A estratégia de cada um dependerá da ação um do outro.

Renomados economistas, como, por exemplo, Steve Levitt, autor do livro Freakonomics, já estudaram e publicaram artigos sobre as cobranças das grandes penalidades. E de que forma os economistas podem ajudar cobradores de pênaltis e goleiros no momento da mais alta tensão no esporte mais popular do mundo?

Os teóricos dos jogos têm condições de criar estratégias para os jogadores de futebol. Engana-se quem pensa que esse é um tema restrito somente à teoria e que dificilmente se verifica na prática. Clubes e seleções já recorreram aos dados de economistas e estudiosos para traçarem suas estratégias em casos de decisões por pênaltis.

Com o tempo, cobradores de pênaltis e goleiros constroem um histórico de suas estratégias. Basta um olhar mais atento e uma dedicação a analisar os jogos de seus adversários em partidas decisivas para se levantar um banco de dados com os hábitos dos principais cobradores de pênaltis e dos goleiros oponentes. Foi o que Steve Levitt e seus colegas economistas fizeram. Eles perceberam que determinado goleiro sempre pulava para o lado esquerdo ou que um certo cobrador costumava bater sempre no canto direito, rente ao chão ou a meia altura. E por aí vai.

Em 1988, o PSV Eindhoven decidiu a Copa dos Campeões da Europa com o Benfica, na cidade alemã de Stuttgart. Antes da grande decisão, o goleiro do PSV, Hans van Breukelen, telefonou para o técnico Jan Reker, detentor de um banco de dados sobre cobranças de pênaltis. Todas as cinco primeiras cobranças do Benfica foram convertidas. Van Breukelen defendeu a sexta, cobrada por Veloso. O PSV foi campeão europeu.

Cético, você poderá dizer que tudo não passou de mera coincidência, afinal de contas cinco cobranças do Benfica foram bem sucedidas e apenas a sexta é que foi defendida pelo goleiro do PSV. Tudo bem. Pode ter sido apenas coincidência. Acontece que no mês seguinte, a Holanda batia a União Soviética por 2 a 0, na final da Euro 1988. Van Breukelen cometeu um pênalti. Se os soviéticos diminuíssem o jogo poderia mudar de figura. O goleiro, mais uma vez, recorreu ao banco de dados de Reken e... Defendeu o pênalti cobrado por Igor Belanov. Esse é, até hoje, o único grande título da seleção holandesa.

Em 2006, Alemanha e Argentina se enfrentaram nas quartas de final da Copa sediada na Alemanha. A decisão da vaga na semifinal terminou indo para os pênaltis. Os alemães tinham uma base de dados de 13 mil chutes. Sim, 13 mil! O goleiro Jens Lehmann foi para o seu gol com uma cola guardada no meião. Na cola, uma lista com a forma como sete jogadores argentinos cobravam seus pênaltis. Dos sete, apenas dois foram cobrar. Um deles, Ayala, cumpriu à risca o que estava anotado na cola de Lehmann: após esperar muito tempo, deu uma longa corrida e chutou para a direita. Lehmann defendeu.

O último argentino a cobrar foi Cambiasso. A decisão estava 4 a 2 para a Alemanha. Lehmann consultou sua cola. O papel amassado, suado e escrito a lápis impediu que o goleiro compreendesse o que estava na lista. Cambiasso percebeu a movimentação de Lehmann e que ele consultava algo. Aí entra a teoria dos jogos e a pressão. Certamente Cambiasso pensou – “o que ele sabe? Será que ele sabe onde vou bater?”. Intimidado, Cambiasso teve sua cobrança defendida por Lehmann e a Alemanha avançou para a semifinal da Copa.

Anelka e o pênalti de US$ 170 milhões

Eis que chegamos ao francês Nicolas Anelka e à decisão por pênaltis da Liga dos Campeões da Europa de 2008, que envolveu os ingleses Manchester United e Chelsea. O treinador dos Blues era o israelense Avram Grant, amigo de um professor de uma universidade israelense, que, por sua vez, era muito amigo do economista basco Ignacio Palacios-Huerta.

Ignacio começou a estudar cobranças de pênaltis em 1995, ainda estudante da Universidade de Chigado e publicou um estudo sobre o tema em 2003. O amigo de Avram Grant colocou os dois em contato, pensando que Ignacio poderia ajudar o Chelsea de Grant com seu banco de dados.

O economista basco enviou para Grant um relatório e transcrevo os quatro comentários que ele fez sobre o Manchester United e as cobranças de pênaltis.

1 - Van der Sar tendia a saltar para o “lado natural” do cobrador mais vezes do que a maioria dos goleiros. Ou seja: diante de um cobrador destro, ele saltaria para a sua direita; diante de um canhoto, saltaria para a sua esquerda. Portanto, os jogadores do Chelsea deveriam cobrar para o “lado não natural”.

2 - A imensa maioria dos pênaltis defendidos por Van der Sar são chutados a meia-altura. Pênaltis contra ele deveriam ser cobrados junto ao solo ou altos.

3 - Ronaldo com freqüência dá uma parada na corrida para a bola. Se ele parar, provavelmente (85% de chances) chutará do lado direito do goleiro. E enfatizou: Ronaldo pode mudar de ideia no último instante. O goleiro não podia se antecipar, caso o fizesse, ele sempre marcava.

4 - O time que vencer o sorteio antes da cobrança deve escolher cobrar primeiro. Mas isso é banal: sempre se deve cobrar primeiro. Times que cobram primeiro vencem 60% das vezes, presumivelmente porque há muita pressão sobre o segundo a cobrar, que sempre precisa marcar para salvar o jogo.

O Manchester United venceu o sorteio. O capitão dos Red Devils, Rio Ferdinand, escolheu, logicamente, que seu time iniciaria as cobranças.

Vejam as cobraças no vídeo abaixo e eu já volto com alguns comentários.



Viram como Ballack e Belletti seguiram as orientações de Ignacio? O alemão cobrou alto à esquerda de Van der Sar, enquanto o brasileiro mandou a bola junto ao chão, também à esquerda do goleiro holandês.

E então foi a vez de Cristiano Ronaldo partir para a bola. E o que faz o português? Exatamente aquilo que Ignacio previra: dá uma parada na corrida e manda a bola no lado direito do goleiro. O que fez Petr Cech? Seguiu o conselho do economista basco: ele não deveria se antecipar e não se antecipou. Cech esperou a cobrança, que veio no seu lado direito e defendeu. Voltem ao vídeo. Revejam o lance. Pois é.

Na sequência, mais quatro cobranças do Chelsea, todas seguindo as orientações de Ignacio. Inclusive John Terry com sua célebre escorregada na grama molhada. Van der Sar saltou para o lado direito. Terry mandou alto, no lado esquerdo. Mas escorregou. A bola bateu na trave e saiu.

Chega a vez da sétima cobrança do Chelsea. O francês Nicolas Anelka vai para a bola. Se ele perde, o United é campeão. Naquele momento, Van der Sar já havia percebido que o Chelsea adotara uma estratégia para a cobrança de pênaltis. Provavelmente, ele pensou que os adversários optaram bater sempre para o seu lado esquerdo. O holandês chega a apontar para o lado esquerdo, como quem diz a Anelka “eu sei que você vai bater aqui”.

E é nesse momento que entra a teoria dos jogos. Anelka sabia que Van der Sar sabia que Anelka sabia que Van der Sar costumava saltar para a direita quando estava diante de jogadores destros. Imaginem essa tensão no momento em que você tem, em seus pés, a chance de manter seu time na luta pelo principal título de clubes do futebol mundial ou de decretar sua derrota.

Ignacio havia recomendado que jogadores destros cobrassem para o lado esquerdo de Van der Sar. Mas Anelka ficou intimidado com a postura de Van der Sar. O francês, então, resolveu não seguir as orientações do economista basco. O que ele faz? Muda o lado. Decide bater para o canto direito do goleiro holandês, aquele em que ele tinha maior facilidade para defender pênaltis cobrados por destros.

A estratégia de Anelka até poderia ter dado certo. Mas não deu. Qual foi o motivo? Voltem ao vídeo. Viram? O francês bateu a meia-altura. Ignacio havia escrito em seu relatório: “a imensa maioria dos pênaltis defendidos por Van der Sar são chutados a meia-altura. Pênaltis contra ele deveriam ser cobrados junto ao solo ou altos.” Anelka cobrou a meia-altura. Van der Sar defendeu, como sempre costumava fazer em bolas a meia-altura. E o Chelsea deixou de faturar, segundo analistas, cerca de US$ 170 milhões.

Os jogadores de futebol seguem uma tendência quando vão cobrar pênaltis. Todos têm um lado preferencial. Assim como os goleiros têm um lado para o qual costumam saltar mais ou terem maior facilidade para defender. Os pênaltis, contudo, são aleatórios. E é essa aleatoriedade na cobrança de pênaltis que torna esse momento tão tenso e emotivo. Não há cálculos, nem banco de dados, que possam prever para que lado vai cobrar um bom profissional, que saiba executar com precisão a sua cobrança.

Que o diga Franck Ribéry. O francês do Bayern Munique é um dos poucos jogadores que, ao partir para a bola, não tem definido para que lado baterá. Ribéry é um profissional exemplar e também o elemento capaz de quebrar toda a teoria dos jogos.

Porém, com a teoria dos jogos, e mesmo com a aleatoriedade e principalmente por conta dos bons profissionais, torna-se simplório afirmar que pênalti é loteria e injusto dizer que os pênaltis são uma injustiça.

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